Edição de página de jornal
com artigos publicados no jornal NOTICIAS
de Moçambique e fotografias
Apresentado no Espaço transportável em Guimarães
http://www.espacotransportavel.blogspot.com/
Curadoria de Luís Ribeiro
COMUNICADO PRESIDENCIAL
«As cidades e os aglomerados populacionais que mais foram marcadas pelo estigma da discriminação racial e social e da exploração capitalista no nosso país, »
«Elas reflectem de uma maneira gritante todas as contradições, injustiças, divisõe
s e preconceitos da sociedade colonial portuguesa baseada no racismo e no capitalismo. A população vive dividida segundo a raça, a cor da pele e classe social.
« Ao mesmo tempo o direito ao alojamento, que corresponde à satisfação de uma necessidade essencial e elementar de cada cidadão e da sua família, é objecto de uma especulação sem limites que conduz ao enriquecimento escandaloso de um certo sector da burguesia colonial.
«o povo moçambicano continua assim, apesar da conquista da sua independência política a
ser discriminado, humilhado e explorado no seu próprio país, a mais das vezes por aqueles mesmos que durante todo o período colonial foram agentes, cúmplices ou beneficiários passivos da situação colonial.
«esta situação de discriminação e de exploração é incompatível com os objectivos da República Popular de Moçambique e com a dignidade e liberdade do povo moçambicano. A fim de pôr termo a esta situação, o governo da República Popular de Moçambique decidiu adoptar as medidas a seguir enunciadas:
«1. Cada família tem o direito a ser proprietária da sua própria habitação. Aceita-se também que possa ter uma casa ou apartamento de repouso em local de praia ou de campo.
«2. Revertem imediatamente para o Estado todos os prédios ou partes de prédios de rendimento.
São considerados prédios de rendimento os edifícios que, sendo destinados a habitação ou outros fins, tais como comércio, industria ou agricultura, «não sejam ocupados pelos actuais proprietários.
«3. Tratando-se de prédios cujos proprietários tenham efectuado investimentos próprios ainda não amortizados pelos rendimentos, esses proprietários serão indemnizados em termos a fixar em diploma legal, em função do montante não amortizado.
«4. O Estado assegurará uma renda vitalícia aos actuais proprietários quando tenham como único meio de subsistência o rendimento de prédios e que por virtude da idade avançada, condição física ou outra incapacidade não tenham possibilidade de garantir o seu sustento e da família a seu cargo.
«5. Os indivíduos que sejam proprietários de prédios, mas residam noutro prédio, arrendado ou não, poderão declarar em qual das suas casas pretendem habitar.
Dessa opção será dado conhecimento ao inquilino que deverá desocupar o prédio no prazo máximo de noventa dias.
«6. Não poderão ser vendidos, cedidos ou por qualquer forma alienados imóveis sem prévia autorização do Estado.
«7. Os imóveis em construção cujos proprietários apresentem provas da sua utilização futura pelos próprios para habitação ou outros fins, designadamente comércio, indústria, agricultura, não são considerados prédios de rendimento.
A esses imóveis só se aplicará a reversão para o Estado se os proprietários não promoverem o prosseguimento normal das obras.
«8. Até a criação de órgãos apropriados, competirá ao Montepio de Moçambique e suas delegações receber as rendas, administrar e conservar os prédios que passam a constituir património do Estado.
«Até novas orientações, os inquilinos continuam a pagar o valor das actuais rendas. Os inquilinos que ainda não tenham pago as rendas referentes ao mês de Fevereiro, deverão fazê-lo até
«As medidas agora tomadas inserem-se no combate permanente do povo moçambicano sob a direcção da FRELIMO, pela conquista e consolidação da independência Nacional, da dignificação do homem moçambicano, da libertação económica social e cultural do nosso país e da nossa sociedade.
«Elas constituem uma concretização das aspirações de todo o povo moçambicano pelas qu
ais tombaram os melhores dos seus filhos, os heróis que hoje homenageamos.
«Os objectivos das decisões tomadas são:
«1.º - Liquidar o racismo, a discriminação racial e social que ainda existem na nossa sociedade, na nossa cidade.
Liquidar o racismo, acabar com a divisão para criar as bases da verdadeira unidade, unidade de todo o povo sem distinções baseadas na raça ou na cor da pele.
«2.º - Permitir ao povo tomar a cidade vivendo nela.
A cidade não deve pertencer aos exploradores, não deve continuar a ser propriedade dos capitalistas que desprezam os trabalhadores.
A cidade deve ser uma face moçambicana.
O povo vai poder viver na sua própria cidade e não no quintal da cidade.
«3.º - Organizar no seio da cidade, nos bairros, nos quarteirões, nos prédios, uma verdadeira vida colectiva.
Organizar a democracia no seio da cidade, de modo a que todos participem na discussão e resolução dos problemas da vida colectiva, da vida de todos e de cada um.
«Deste modo estaremos a criar as bases para o exercício do Popder Popular Democrático, o alicerce político da nossa Sociedade.
Presidente da FRELIMO e da Republica Popular de Moçambique, Samora Machel
Publicado NOTÍCIAS, Maputo, quinta-feira, 5 de Fevereiro de 1976
CONSTANTINO GIL MARQUES
UM AMIGO QUE PARTIU DESTE VALE DE LÁGRIMAS
A notícia percorreu, célere, a cidade, mergulhando em expectativa quantos conheciam Constantino Gil Marques Maia, mais propriamente «o Maia», estendendo-se, ao depois, para além das suas portas, provocando um movimento de interesse pela saúde que perigava.
Transportado para casa de saúde do Marrer, aí lhe foram progalizados todos os recursos da ciência, mas
Pesada, amarfalhante, ecoou a má nova: finara-se um colono há dezenas de anos ra
dicado no norte, um amigo de Nampula, um pacífico cidadão incapaz de fazer mal a alguém, um exemplar marido e pai que levara uma existência de trabalho esforçado, agarrado à terra, estimando e estimado por todos, nunca olhando a sacrifícios, dando um constante exemplo de apego e fidelidade ao lar que construíra mercê de invulgar tenacidade.
-- Um bom homem! – ouvia-se de todos os lados, logo após o passamento.
Realmente assim era: um bom homem, um homem sério, leal, de boas contas, respeitador.
Conheci Constantino Gil Marques Maia, por volta de 1952,
Apresentou-me à consideração milhentos problemas, sobretudo de ordem económica, dissertando com facilidade e conhecimento de causa, socorrendo-se, não apenas da imensa experiência acumulada durante anos mas também e sobretudo da limpidez de raciocínio com que o Criador o dotara, exprimindo-se sem deixar margem a dúvidas, com desassombro, boa fé e às vezes uma ponta de tristeza que não conseguia esconder quando percebia direitos feridos ou intenções desvirtuadas que prejudicavam a comunidade.
Um dos seus cavalos de batalha era a liberdade de preços, filha consanguínea da livre concorrência, como fautor de estabilidade e defesa do consumidor, argumentando que o custo e a venda, por mais voltas que se dessem e teoremas que se congeminassem e teorias que se elevassem como frágeis castelos, sempre dependeriam dos bons e dos maus anos agrícolas, todo o resto se ficando em ideias que até ao presente, apesar dos esforços desesperados de muitos estudiosos, nunca lograram vida saudável.
O falecimento do querido amigo veio lembrar, uma vez mais, a transitoriedade da vida onde somos viajeiros e gritar-nos que tudo passa, que viemos do pó e para ele regressaremos um dia. Que Deus, alfa e ómega de todas as coisas, nos criou à sua imagem e semelhança e portanto nos compete servir só, e apenas, na verdade, em verdade, pela verdade, mesmo correndo o risco de ficarmos sós!
Que desgosto, quando reparamos que tantos gastam os dias numa frustração completa de si mesmos, enganando o semelhante, quase tentando enganar-se a si próprios, esquecidos que ao divino dador ninguém engana porque Ele também não nos engana a nós!
E que alegria nos inunda a alma ao podermos testemunhar que «o Maia» foi um homem bom e sincero!
Partiste, amigo inolvidável, e foste recebido em festa pelo coro dos anjos, porque cumpriste o teu dever! A cidade acorreu a prestar-te as últimas homenagens de que eras merecedor, até porque muito do que ela é, to ficou a dever através de tantos prédios que falam do teu nome, que hão-de invocar através dos anos, a tua memória!
E eu amigo querido, nem sequer pude ir junto à campa que recebeu o teu corpo de martírios a lançar-te um punhado de terra e a desfolhar as pétalas da última e mais intensa saudade!
Mas para além do gesto simbólico, não esqueci pelo menos uma prece que se era de desejo de que descanses em paz era também de invocação para que peças por todos nós que vamos
continuar a tua obra, bem agarrados a esta terra que é nossa, que nos enfeitiçou como a ti, que te amortalha e nos há-de, talvez, amortalhar também um dia que oxalá seja na altura em que tenhamos a folha de serviços bem informada como tu tinhas a tua recheada de boas acções!
Reza por nós, amigo!
Recomenda-nos!
Eduardo de Canavezes
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NECROLOGIA
CONSTANTINO GIL MARQUES MAIA
(DA NOSSA DELEGAÇÃO)
NAMPULA, 1 – Via Telegráfica
- No Marrer, faleceu hoje de manhã o sr. Constantino Gil Marques Maia, de cinquenta e três anos, natural da Figueira da Foz e velho residente na cidade. Era pessoa muito consideradad, e o seu falecimento causou, por isso, geral consternação. O extinto era casado co D. Celeste Gil Marques Machado e o funeral realiza-se para o cemitério de Nampula, às 9.30 horas.
«Diário de Moçambique» apresenta sentidas condolências à família enlutada.
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Constantino Gil Marques Maia
AGRADECIMENTO
CELESTE GIL MARQUES MACHADO, ANTÓNIO MAIA, JOSÉ MAIA E FAMÍLIA, vêm por este meio, na impossibilidade de o fazerem directamente, agradecer a todos quantos se
interessaram pela saúde de seu marido, pai e parente e o acompanharam à última morada.
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Constantino Gil Marques Maia
AGRADECIMENTO
Sua mulher e filhos, vêm por este meio agradecer aos Ex.mos senhores doutores RUI DE OLIVEIRA, CARLOS ALBERTO e COSTA MATOS, bem como a todo o pessoal de enfermagem da Casa de Saúde do Marrer, a dedicação e carinho com que trataram seu marido e pai.
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DIÁRIO DE LOURENÇO MARQUES ---- 12/4/1962