Saturday, March 3, 2007

Notas sobre o projecto alheava

Intitulado alheava, o projecto que tenho vindo a desenvolver, desde 1999 até ao presente ano, é constituído por duas fases. Contemplando diversas práticas artísticas, como a instalação, a fotografia, o vídeo, a performance, o teatro e o som, as várias mostras, da primeira fase têm sido apresentadas em diferentes cidades[1] e diversos espaços expositivos. A segunda fase do projecto realizar-se-á após a apresentação da totalidade das mostras da primeira fase e compreende uma viagem a Moçambique, ao país representado no projecto alheava.

“Alheava” é a conjugação do pretérito imperfeito do verbo alhear, remete-nos para o passado; sinónimo de um outro verbo alienar. Define uma acção ou efeito de desviar; afasta; transferir; ceder a outrem. E em qualquer destas circunstâncias denuncia também um conjunto de significados de dimensão psicológica, tais como, viver num mundo abstracto; pôr-se de fora de um assunto; deslocado; distraído; esquecido; que perdeu o juízo.

“Alhear” sugere um estado de alienação, de amnésia, um efeito de desvio, uma ausência de raízes, uma sensação de perda, um sentimento de deslocação. [2]

O título alheava, surgiu após a leitura da obra " De Profundis Valsa Lenta"[3] de José C. Pires. Na referida obra, o romancista, caracteriza a condição da sua personagem como a de alguém que vive um processo irreversível de perda de identidade que se traduz, por sua vez, numa perda da relação com o mundo, com os outros, com o passado e com o presente; vivendo um processo de despersonalização.

Em termos temáticos, o projecto alheava, pretende abordar o alheamento de Portugal relativamente ao passado colonial e pós-colonial e representa a realidade dos portugueses que povoaram Moçambique, a colónia africana, no período anterior a 1975.

Depois da independência das antigas colónias portuguesas, e com a chegada a Portugal de muitos portugueses, nascidos em Portugal e a viverem nas colónias, ou nascidos nas colónias; muitas foram as alterações culturais e sociais verificadas. Contudo, na produção artística contemporânea nacional, e na área das artes plásticas em particular, poucos são os momentos de reflexão sobre a presença de África em Portugal e sobre a presença de Portugal em África.

No projecto alheava o período colonial e pós-colonial é reflectido nas vivências e na trajectória de vida que os colonos protagonizaram na sequência do processo de descolonização.

Para além das experiências, vivências e narrativas militares, registadas em várias publicações literárias, nas múltiplas edições de História de Portugal, e mais recentemente no cinema; hoje, passados mais de trinta anos, desconhecemos outras perspectivas, outras realidades.

Partindo de vivências e experiências familiares, o projecto alheava, pretende contribuir com outras narrativas, com outras histórias, com outras representações, com outra representação de Moçambique e de Portugal.

Ao apresentar e representar uma diversidade de personagens, como: o colonizador, o português da metrópole, o português de Moçambique, o moçambicano português, o moçambicano de Moçambique, o emigrante, o refugiado, entre outras; o projecto alheava, reivindica e contrariar a simplificação da versão histórica oficial.

No projecto alheava, parto de memórias da casa onde nasci. A representação escultórica, fotográfica e a animação digital da casa em que nasci, constitui uma metáfora, representa o lugar a onde se regressa, o lugar primeiro, o lugar dos afectos. A casa reverbera um outro lugar, Moçambique, (re)apresenta um regresso, o regresso a casa.

Este projecto constitui a oportunidade de saber mais sobre o meu passado, sobre o passado e sobre todos os que viveram semelhante condição.

Durante o processo de concepção do projecto, reuni e compilei memórias que estabeleçam uma relação com a história. Para as certificar, enquanto dados credíveis historicamente, socorro-me de um conjunto de estratégicas, de práticas artísticas, e práticas museológicas. O conceito de colecção e seu poder legitimador permite, no projecto alheava, dar a conhecer, a ver, a apresentar, a minha história, as minhas historias.

Os documentos e os objectos que são apresentados, permitem-me partilhar memórias, recordar e (re)contar histórias passadas. Neste processo rememoração surgem novos detalhes das narrativas e processa-se uma espécie de reconstrução.

Pela sua complexidade, o projecto alheava, estende-se e ramifica-se a outras temáticas como o multiculturalismo, o discurso colonizador, o discurso “descolonizador” e o discurso neo-colonial e abrange diversos conceitos, e diferentes conhecimentos provenientes de áreas como o a antropologia, a sociologia, a estética, a história e história da arte e a museologia.

Manuel Santos Maia



[1] O projecto foi apresentado em cidades como Porto, Lisboa, Coimbra, Lagos, Oeiras, Guimarães, Braga, Cascais, entre outras.

[2] ALVES, Cristina - “introdução”, Texto de sala da exposição to play (and the monkey business)” – Artemosferas, Porto, 2002

[3] "nesta introdução á perda de identidade (...) o que me parece desde logo implacável e irreversível é a precisão com que em tão rápido espaço de tempo fui desapossado das minhas relações com o mundo e comigo próprio. Como se acabasse de dar início a um processo de despersonalização, eu tinha-me transferido para um sujeito na terceira pessoa (ele, ou o meu nome, é) que ainda por cima se tornava mais alheio e mais abstracto pela imprecisão parece que ... naquele instante com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transformei para um outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz de menor relação passado-presente, de imagem-ojecto, do eu com outro alguém ou do real com a visão que o abstracto contém" in " De Profundis Valsa Lenta “de José C. Pires. Portugal, Lisboa: Circulo de Leitores, 1998




Quelques notes sur le projet alheava

Sous le titre alheava, le projet que je développe depuis 1999 jusqu’à présent se compose de deux étapes. Comprenant plusieurs pratiques artistiques telles que l’installation, la photographie, la vidéo, la performance, le thêatre et le son, les travaux de la première étape ont été présentés dans de différentes villes[1] et de différents espaces expositifs. La deuxième étape du projet aura lieu après la présentation de la totalité des travaux de la première. Celle-ci comprend un voyage au Mozambique, le pays représenté dans le projet alheava.

«alheava» (aliénait) est la conjugaison de l’imparfait du verbe «aliéner», qui nous renvoie au passé e verbe définit une action ou l’effet de dévier, écarter, transférer, céder à autrui. Dans toutes ces circonstances, il dénonce également un ensemble de signifiés à dimension psychologique, tels que : vivre dans un monde abstrait ; se mettre hors d’un sujet ; déplacé, distrait, oublié, qui a perdu la raison.

«alheava» suggère un état d’aliénation, d’amnésie, un effet de déviation, une absence de racines, une sensation de perte, un sentiment de déplacement[2].

Le titre «alheava» a surgi après la lecture de l’oeuvre De Profundis – Valsa Lenta[3] de José Cardoso Pires. Dans cette oeuvre, l’écrivain caractérise la condition de son personnage comme celle de quelqu’un qui vit un processus irréversible de perte d’identité qui se traduit, à son tour, dans une perte de sa relation avec le monde, les autres, le passé et le présent, un processus de dépersonnalisation.

En termes thématiques, le projet alheaav vise une approche à l’aliénement du Portugal par rapport à son passé colonial et post-colonial, en représentant la réalité des portugais qui ont peuplé la Mozambique, la colonie africaine, dans la période antérieure à 1975.

Depuis l’indépendance des anciennes colonies portugaises, et avec l’arrivée au Portugal de beaucoup de portugais, nés au Portugal et vivant aux colonies, ou bien nés aux colonies, beaucoup a changé en termes culturels et sociaux. Cependant, dans la production artistique contemporaine nationale, et dans le domaine des arts plastiques en particulier, on trouve peu de moments réflexifs sur la présence d’Afrique au Portugal et sur la présence du Portugal en Afrique.

Dans ce projet, la période colonialle se reflète dans les expériences et les trajectoires de vie protagonisées par les colonisateurs à la suite du processus de décolonisation.

Aujourd’hui, plus de trente années passées, outre les expériences et les récits des militaires, enrégistrés dans plusieurs ouvrages littéraires, dans les nombreuses publications sur l’Histoire du Portugal, et, plus récemment, au cinéma, on ignore d’autres perspectives, d’autres réalités.

En partant d’expériences familiales, le projet alheava vise à contribuer, par d’autres récits, d’autres histoires, d’autres représentations, d’une autre représentation du Mozambique et du Portugal, à cette réflexion.

Par la présentation et la représentation d’une diversité de personnages tels que le colonisateur, le Portugais de la métropole, le Portugais du Mozambique, le Mozambicain portugais, le Mozambicain du Mozambique, l’émigrant, le réfugié, parmi d’autres, ce projet révendique une attitude qui contrarie la simplification de la version historique officielle.

Dans le projet alheava, je pars des mémoires de la maison où je suis né. La représentation sculptorique, fotographique et l’animation numérique constituent une métaphore représentant le lieu où on retourne, le lieu premier, le lieu des affects. La maison réverbère un autre lieu, Mozambique, (re)présent un retour, le retour à la maison.

Ce projet constitue l’opportunité de savoir un peu plus sur mon passé, sur le passé, ainsi que sur tous ceux qui ont vécu une condition pareille.

Au cours du processus de conception du projet, j’ai rassemblé et compilé des mémoires établissant une relation avec l’histoire. Afin de les certifier, en tant que données historiquement crédibles, j’ai eu recours à un ensemble de stratégies, de pratiques artistiques et muséologiques. Le concept de collection et son pouvoir légitimateur permettent, dans le projet alheava, de faire connaître, de montrer, de présenter mon histoire, mes histoires.

Les documents et les objets présentés me permettent de partager des mémoires, de rappeler et de re(narrer) des histoires passées. Ce processus de remémoration fait surgir de nouveaux détails de ces récits et donne lieu à une espèce de reconstruction.

Par sa complexité, le projet alheava s’étend et se ramifie en d’autres thèmes tels que le multiculturalisme, le discours colonisateur, le discours «décolonisateur» et le discours neo-colonial, comprenant toute une diversité de concepts et de connaissances issus de différents domaines tels que l’antropologie, la sociologie, l’esthètique, l’histoire, l’histoire de l’art et la muséologie.

Manuel Santos Maia



[1] Le projet a été présenté à Porto, Lisbonne, Coimbra, Lagos, Oeiras, Guimarães, Braga, Cascais, parmi d’autres villes.

[2] ALVES, Cristina - «Introduction», texte de l’exposition «to play (and the monkey business)» ­- Artemosferas, Porto, 2002.

[3] «dans cette introduction à la perte d’identité (...) ce qui me paraît tout d’abord impitoyable et irréversible c’est la précision avec laquelle j’ai si rapidement été dépouillé de mes relations avec le monde et avec moi-même. Comme si je venais d’entamer un processus de dépersonnalisation, je m’étais transféré dans un sujet en troisième personne (lui, ou mon nom, est), lequel, en plus, devenait plus étranger et plus abstrait par l’imprécision il paraît que... à cet instant avec mon image dans le miroir mais déjà dégagé d’elle-même, je me suis transformé vers un autre sans nom et sans mémoire et par conséquent incapable de la moindre relation passé-présent, image-objet, du moi avec autrui ou du réel avec la vision que l’abstrait contient...», in De Profundis Valsa Lenta, de José Cardoso Pires.